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Afirmar que os humanos se erguem alicerçados nos ombros de gigantes é uma frase repetida ao longo da História e que ecoa uma verdade inquestionável: que tudo o que somos deriva de um caminho difícil e violento que aqueles que vieram antes de nós percorreram, venceram e nos legaram. Desde o conhecimento sobre o mundo e a vida, à técnica e à ciência, bem como aos valores civilizacionais, tudo passa de pais para filhos, e destes para netos e bisnetos, numa corrente ancestral que, em última análise, nos liga ao Cosmos primordial.


Desde logo, urge reconhecer a importância que o legado civilizacional representa como um instrumento pleno de utilidade. Sócrates, por exemplo, dizia que o interesse em falar com o idoso Céfalo era também egoísta: por o outro já ter percorrido grande parte do caminho da vida poderia transmitir ao mais jovem conhecimentos que lhe permitiriam enfrentar as dificuldades com sabedoria acrescida. É útil, portanto, o legado civilizacional porque compreende o conhecimento de quem já viveu e já aprendeu. Mas também confere uma enorme responsabilidade a cada um de nós: porque a quem recebe o legado dos que vieram antes não pode deixar de sentir ónus de ter que o passar igualmente aos que virão depois.


Por tentativa e erro, com o olhar para lá do horizonte, assim tem o Homem passado o testemunho da Civilização — e a sociedade Ocidental, com o seu alicerce Judaico-Cristão, os seus valores humanistas, a crença que o balanço entre igualdade e liberdade se realiza no facto de sermos todos igualmente dignos e livres, representa o pináculo civilizacional da Humanidade. Pelo menos, para nós.


Mas porque é de tentativa e erro de que falamos, e que reconhecemos como processo pivotal, bem como de equilíbrio de valores, nunca outra coisa além da humildade da dúvida pode ser o caminho para enfrentarmos o desconhecido. A dúvida força o diálogo, força o pluralismo, força esse maravilhoso sistema político que é a democracia. Pluralismo e liberdade são os alicerces políticos de uma comunidade enraizada na realidade e com os olhos no futuro.


No entanto, o advento da Modernidade trouxe com ela mais do que o progresso que maravilha a mente e imaginação do Homem fazendo-o sonhar hoje mais uma vez com soluções perfeitas, quimeras e paraísos. Trouxe também, como tudo, junto com os seus legados maiores, a entropia consubstanciada hoje na certeza da certeza, na arrogância da infalibilidade, na ignorância vertida na ilusão do conhecimento definitivo.


Hoje, crê-se que o que se pensa saber é verdadeiro. E verdades não se negoceiam, apregoam-se. Desse modo, com todos discutindo quem é dono da razão, entram em conflito absolutos numa polarização que destrói a necessária crença no pluralismo tolerante que baseia os princípios políticos das nossas comunidades. Assim, onde antes reinava o compromisso, sobra agora apenas o conflito permanente. E onde se proclamava o pluralismo agora embandeira-se a unanimidade: racional, científica, indiscutível. Onde a sociedade anteriormente se auto-regulava nos seus corpos intermédios — a família, a empresa, a associação — sobra agora o desmando do Estado e das grandes corporações que com este se imiscuem.


O politicamente correcto é fascismo dito por outras palavras, explicou George Carlin. A imposição de uma normalização monotemática, total, unânime, veiculada pelo Estado, pelos Media, pelas redes sociais, numa patrulha incessante que vitupera a dissensão, seja esta de opinião ou comportamental, também o será.


O engodo da autoridade em nome da liberdade, o embuste da recusa do pluralismo em nome da democracia, o engano da apologia de uma certeza moral sem lugar para a discussão moral, tudo isto representa a antítese do legado civilizacional que herdámos.


E um erro que deve ser rejeitado.

Hoje, o Homem moderno, perdido na cacofonia avassaladora da corrente progressista rumo ao paraíso na Terra, parece ter duas opções: ou aceitar o destino que lhe é imposto e voar que nem Ícaro rumo ao Sol — e à inevitável queda que as asas queimadas pela hubris lhe imporão — ou, por alternativa, nadar contra a corrente impositiva buscando voltar a colocar o pé firme nos valores que o vácuo ultra-ideológico da espuma dos dias, sempre pronto para terraplanar a História e criar o seu homem novo, nos pretende fazer esquecer.


Entre uma e outra não há verdadeira opção: há apenas um Dever. Um Dever que assumimos com honra, alegria e determinação.


Contra a corrente, pois então.



Uma nota sobre o Contra Corrente: é um projecto 100% independente, profundamente heterogéneo e inabalavelmente plural. As opiniões expressas apenas, e sempre, vinculam o autor das mesmas, e nunca o Contra Corrente como um colectivo, ou qualquer outro dos seus colaboradores. A Liberdade — bem como a consequente Responsabilidade — é aqui sempre um acto individual.


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